É um mundo cheio de culpa esse em que vivo desde o dia 31 de março do ano corrente. Porque já não bastam as culpas que a gente mesmo se impõe, ainda tem a sociedade INTEIRA né, conclamando para si a razão sobre a melhor forma de criarmos nossos filhos. Claro que não tô falando de você que joga recém-nascido na lata do lixo, ou de você que está tão desestruturada que finge não ver que seu marido estupra sua filha. Você que, portanto, precisa que a sociedade interfira. Tô falando da gente, eu e você, que fazemos o melhor que a gente sabe, mas a gente sabe que isso é só o melhor que a gente sabe fazer, mas não garante porcaria nenhuma. A gente que esquece o arroz no fogo de vez em quando, e dá nuggets pra criança comer porque é o que tem no frizer; que já deixou o filho sozinho no colchão, foi ali fazer um xixi, e o filho rolou e deu um galo na testa; a gente que corre chorando pra mãe, quando o nosso filho corre chorando pra gente, e a gente não sabe o que fazer com ele; a gente que fica puta da vida porque não sabe mais o que é dormir a noite toda, comer um prato inteiro, tomar banho sem pressa. A gente que sente culpa pra caramba depois de todas essas coisas aí, mesmo sabendo que a gente está fazendo o melhor que a gente sabe fazer. Mesmo sabendo que a gente já rolou do colchão quando era criança, enquanto nossas mães foram ali fazer um xixi, e nós continuamos aqui vivas e (mais ou menos) mentalmente sadias. Mesmo sabendo que basicamente tá todo mundo nesse mesmo barco.

Porque é uma coisa grande DEMAIS essa aí da maternidade. Então, eu acho mesmo que nao precisa ser ainda maior do que já é. Pode ser só escalar o Everest, não precisa também ser sem tanque de oxigênio. E parece que tá todo mundo meio nessa vibe, de querer que a gente não respire e continue viva. De querer que a gente não se dê nem um alívio, porque a gente TEM quer pensar na criança 24h por dia e nela, somente.

E daí vem todo mundo questionar porque você não quer continuar amamentando seu filho até quando ele quiser. – Me questionar no caso – E você explica que seu filho não te deixa dormir à noite, porque quer mamar o tempo inteiro. E que você tem que trabalhar 8h no dia seguinte e que, portanto, não está dando conta de não dormir. E que ele já tem seis meses, portanto, o período mais importante do aleitamento materno já foi cumprido. E é então que você pensa: “Mas pera aí, porque estou me explicando mesmo? De quem são as tetas e o filho afinal?”

E agora, passando por isso, eu lembrei de um post que eu li logo depois que Miguel nasceu, (não tô conseguindo achar o blog, se alguém souber, ajudae, quero linkar) falando dessa tendência das mães neo-hippies, dessa moda que tá rolando agora de todo mundo querendo parir dentro de casa, deixar a criança mamar até completar a idade de Cristo e largar trabalho fora pra virar mãe em tempo integral. Eu até comentei no blog, algo que eu já tinha escrito nesse post aqui: que eu acho equivocada a cultura da cesárea que existe hoje no Brasil, simplesmente porque são raros os casos em que a recomendação da cirurgia acontece por razões médicas. Todo mundo sabe que é mais rentável e mais prático PARA OS MÉDICOS, realizar a cesárea e, por isso, quase ninguém, mesmo optando pelo parto normal, recebe o devido acompanhamento para que tudo ocorra mais tranquilamente. Daí o que mais se vê são mulheres aterrorizadas, que acham que o parto normal é a pior e mais dolorosa experiência do mundo porque, absolutamente, não recebem qualquer instrução a respeito.

Mas é óbvio que isso é uma crítica à prática médica e não às mulheres que fazem cesárea. Quem sou eu pra dizer o que alguém deve ou não deve fazer com a próprio corpo? E eu gostaria de estender tal pensamento a todo o resto da questão materna. É óbvio que o ideal é que toda criança seja amamentada, por exemplo, e eu defendo que isso deve ser difundido ao máximo e que as mães devem ser devidamente orientadas a respeito e todo mundo deve se esforçar para isso. Mas só a gente sabe onde o nosso calo aperta. E aí volta a questão do alívio: se você está sentindo muita dor, ou a criança não tá conseguindo pegar, ou sei lá o que está dificultando as coisas pra você, porque não dar uma mamadeira pro bebê nos períodos mais críticos? Nada em ser mãe é fácil, vai por mim, O conhecimento médico e a opinião de familiares, amigos e do parceiro é importanto, lógico, até porque ninguém nasce sabendo ser mãe, mas não faço concessões quanto ao corpo feminino: a decisão final é da mulher e pronto. E isso inclui tudo aquilo a que a mulher se propõe ou é compelida a fazer por falta de outras opções.

Desde que Miguel nasceu, o pai dele não mora sequer na mesmo estado que nós e, sem qualquer demérito à participação dele na criação do filho, por questões geográficas, principalmente, acaba sobrando o grosso do trabalho todo pra mim. Sou eu que acordo todas as vezes, todas as noites, há seis meses. Repito, EU ACORDO MAIS DE CINCO VEZES TODAS AS NOITES, HÁ SEIS MESES. E eu sei que isso só vai mudar quando Miguel parar de mamar, porque já virou costume. Ele nem mama por fome mais, mas por dengo.

Todas as vezes que eu dou o peito, e ele estende a mãozinha para alcançar o meu rosto, eu sinto culpa, porque eu sei o quanto é bom pra ele, fisicamente e emocionalmente, a amamentação. Eu sei que ele deve sentir a minha falta durante o dia, e eu sei que esse é um dos poucos momentos de intimidade que nós temos agora que eu passo o dia inteiro fora. Mas eu sei também que cada vez que eu acordo mau-humorada e reclamo com ele, todo esforço escorre por água abaixo. Eu deveria ser controlada e amorosa sempre, mas eu sou humana, demasiadamente humana.

Nesse tal post sobre as mães neo hippies eu lembro de uma analogia ótima que ela fez com as máscara de oxigênio dos aviões. Que a recomendação sempre é que você coloque a sua e só então ajude alguém, mesmo se esse alguém for uma criança. Porque né, é óbvio, que sem oxigênio você nem salva ninguém e nem salva você mesmo. E eu acho mesmo que a gente precisa respirar, senão não tem fôlego pra nada mais. E que a gente pode parar de amamentar se já tentou o quanto pode, mas a coisa ficou muito puxada. E pode colocar na creche quando tem que voltar a trabalhar. E pode dar remédio que alivia mais rápido e não só o chazinho que demora cinco horas pra fazer efeito. E pode deixar a criança com a mãe pra ir lá tomar um chopp. E pode viver independente dela né. Sem culpa, se for possível.