Há uma toalha xadrez nas cores branco e vermelho sobre a grama e eu estou sentada sobre ela, com uma maçã em uma das mãos, e um livro na outra.
À minha frente há um cesto aberto, recheado de outras maçãs, e também peras, pêssegos e ameixas.
Não me decido sobre qual fruta desejo comer ou mesmo se desejo comer alguma delas, mas seguro a maçã vermelha e encerada. Olho para ela. Sinto sua textura lisa. A analiso.
O livro que seguro com a minha outra mão é pesado. Capa dura azul marinho, inscrições em dourado, páginas amareladas recendendo à umidade. Meu pulso dói por segurá-lo, mas não quero deixá-lo sobre a toalha. Preciso manter a sensação de que começarei a lê-lo a qualquer momento. Sei que vou lê-lo. Não sei quando.
Em um canto da toalha há uma bola. Não a trouxe para uso, mas como lembrança. De que existem brincadeiras, mas também eternos retornos.
O sol é agradável. Venta moderadamente. Árvores verdejam ao meu redor. Afora poucos sons da natureza, há silêncio. A despeito da indecisão sobre a maçã, do peso do livro, da inquisição imposta pela bola, me sinto bem.
Conheço esta maçã porque eu a colhi. Este livro eu mesma tirei da prateleira. Quero que a bola me questione sobre enganos redondos e certezas agudas. Me impus muito o que fazer mas me sinto em paz e confortável.
E então há um homem
Além da grama
Ultrapassando uma faixa de asfalto
De pé sobre uma calçada de concreto
Do outro lado da rua
Sozinho, mãos vazias, rodeado pelo nada
E ele grita:
“Vem!”
E apenas porque ele grita “Vem!”, eu arremesso o livro sobre a toalha, solto a bela maçã encerada e vejo ela rolar sobre a grama, me coloco de pé derrubando a cesta de frutas, passo bruscamente pela bola chutando-a para longe.
Apenas porque ele disse “Vem!”, eu sigo.
E atravessando a rua ao seu encontro: sem medir meus passos, sem olhar para os lados, sem calcular minha rota… acabo atropelada por um veículo amarelo.